Desrespeito

Velhofobia nas eleições

Cada voto decisivo para o destino dos nossos filhos e netos: os velhos de amanhã

Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “A Invenção de uma Bela Velhice”

Mirian Goldenberg

No primeiro debate presidencial, você ouviu alguma menção às mortes dos mais velhos na pandemia ou às agressões e abusos diários cometidos contra os velhos no Brasil?

violência contra os mais velhos sempre existiu, mas ficou escancarada na pandemia. Os brasileiros ficaram horrorizados quando ouviram os discursos sórdidos de autoridades, políticos e empresários, recheados de preconceitos e agressões contra os mais velhos.

“Vamos todos nos contaminar para criar imunidade e esta epidemia acabar logo. Só irão morrer alguns velhinhos doentes. Deixem os jovens trabalharem. Não vamos parar a economia para salvar a vida de velhinhos. Só velhinhos irão morrer, eles iriam morrer mesmo, mais cedo ou mais tarde. Vai ser até bom para a Previdência se morrerem logo. O problema do Brasil é que todo mundo quer viver 100 anos”.

Velho com os olhos fechados e uma mão no rosto
Gerd Altmann por Pixabay

As denúncias de violência contra os velhos pelo Disque 100 cresceram 500% nos primeiros meses da pandemia. A realidade é muito mais assustadora, pois a maioria dos velhos tem medo e vergonha de denunciar seus agressores, os próprios filhos em mais de 50% dos casos, além dos netos, cônjuges, genros e noras. Os velhos, dentro das nossas casas, experimentam uma espécie de invisibilidade social e de “morte simbólica”.

Não me lembro qual foi a primeira vez que usei a palavra velhofobia, mas sei que nas minhas palestras, em 2017, eu já usava o termo para designar o pânico de envelhecer e as violências cometidas contra os mais velhos no Brasil.

Minha primeira coluna para a Folha de S.Paulo com o termo foi “Você sofre de velhofobia?” (17/9/2019). Com a chegada da pandemia de Covid-19 no Brasil, escrevi “Velhofobia” (9/4/2020) para denunciar o descaso com as vidas dos mais velhos. Ela teve tanta repercussão que a BBC publicou uma longa entrevista comigo (2/5/2020): “Pandemia de coronavírus evidencia ‘velhofobia’ no Brasil, diz antropóloga“.

Escrevi dezenas de colunas para a Folha sobre o tema, entre as quais: “A velhofobia está dentro de mim” (4/11/2020), “Fora velhofobia” (23/6/2021) e “A velhofobia está cada vez mais explícita, perversa e cruel” (27/10/2021). Fiz um TEDxSãoPaulo: “Lições de amor na pandemia: a luta contra a velhofobia” (8/6/2020). O querido Jairo Marques fez uma emocionante entrevista comigo para a Folha: “A velhofobia se escancarou e saiu do armário“, no Dia do Idoso (1º/10/2021).

Como muitos me perguntam por que prefiro velhofobia e não etarismo ou outro termo, fiz uma enquete no meu perfil do LinkedIn, em dezembro de 2021, com a pergunta: “Que termo você prefere para designar a discriminação, o preconceito e a violência contra as pessoas mais velhas?”

O resultado da enquete com 313 votos foi:

  • 44% etarismo
  • 36% velhofobia
  • 12% idadismo
  • 8% ageísmo

Etarismo é a discriminação com base em estereótipos associados à idade. A discriminação etária pode se manifestar de diferentes maneiras, como atitudes de exclusão, de violência, de abuso, de infantilização e até mesmo por meio de piadas e “brincadeirinhas”. O termo é útil para denunciar qualquer tipo de discriminação com base na idade, podendo envolver preconceitos contra os velhos, mas também contra adultos, adolescentes e crianças..

Exatamente por isso, prefiro falar de velhofobia, pois meu propósito tem sido combater a violência contra os mais velhos, apesar de considerar importante denunciar a discriminação em outras fases da vida.

Sinceramente, não acho tão importante assim a palavra que escolhemos para combater a violência, a discriminação e o preconceito contra os mais velhos, seja velhofobia, etarismo ou outra qualquer. Para mim, o mais importante é denunciar que as nossas casas escondem uma brutal violência física, psicológica e verbal, abuso financeiro, negligência, falta de cuidados básicos de higiene e de saúde, maus tratos e abandono dos mais velhos.

Nas eleições, precisamos lembrar que combater a velhofobia é lutar pelo nosso próprio direito de envelhecer com dignidade. Cada voto pode ser decisivo para o futuro dos nossos filhos e netos: os velhos de amanhã.

Botão Voltar ao topo
Fechar