Velhofobia nas eleições
Cada voto decisivo para o destino dos nossos filhos e netos: os velhos de amanhã
Mirian Goldenberg
Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “A Invenção de uma Bela Velhice”
No primeiro debate presidencial, você ouviu alguma menção às mortes dos mais velhos na pandemia ou às agressões e abusos diários cometidos contra os velhos no Brasil?
A violência contra os mais velhos sempre existiu, mas ficou escancarada na pandemia. Os brasileiros ficaram horrorizados quando ouviram os discursos sórdidos de autoridades, políticos e empresários, recheados de preconceitos e agressões contra os mais velhos.
“Vamos todos nos contaminar para criar imunidade e esta epidemia acabar logo. Só irão morrer alguns velhinhos doentes. Deixem os jovens trabalharem. Não vamos parar a economia para salvar a vida de velhinhos. Só velhinhos irão morrer, eles iriam morrer mesmo, mais cedo ou mais tarde. Vai ser até bom para a Previdência se morrerem logo. O problema do Brasil é que todo mundo quer viver 100 anos”.
As denúncias de violência contra os velhos pelo Disque 100 cresceram 500% nos primeiros meses da pandemia. A realidade é muito mais assustadora, pois a maioria dos velhos tem medo e vergonha de denunciar seus agressores, os próprios filhos em mais de 50% dos casos, além dos netos, cônjuges, genros e noras. Os velhos, dentro das nossas casas, experimentam uma espécie de invisibilidade social e de “morte simbólica”.
Não me lembro qual foi a primeira vez que usei a palavra velhofobia, mas sei que nas minhas palestras, em 2017, eu já usava o termo para designar o pânico de envelhecer e as violências cometidas contra os mais velhos no Brasil.
Minha primeira coluna para a Folha de S.Paulo com o termo foi “Você sofre de velhofobia?” (17/9/2019). Com a chegada da pandemia de Covid-19 no Brasil, escrevi “Velhofobia” (9/4/2020) para denunciar o descaso com as vidas dos mais velhos. Ela teve tanta repercussão que a BBC publicou uma longa entrevista comigo (2/5/2020): “Pandemia de coronavírus evidencia ‘velhofobia’ no Brasil, diz antropóloga“.
Escrevi dezenas de colunas para a Folha sobre o tema, entre as quais: “A velhofobia está dentro de mim” (4/11/2020), “Fora velhofobia” (23/6/2021) e “A velhofobia está cada vez mais explícita, perversa e cruel” (27/10/2021). Fiz um TEDxSãoPaulo: “Lições de amor na pandemia: a luta contra a velhofobia” (8/6/2020). O querido Jairo Marques fez uma emocionante entrevista comigo para a Folha: “A velhofobia se escancarou e saiu do armário“, no Dia do Idoso (1º/10/2021).
Como muitos me perguntam por que prefiro velhofobia e não etarismo ou outro termo, fiz uma enquete no meu perfil do LinkedIn, em dezembro de 2021, com a pergunta: “Que termo você prefere para designar a discriminação, o preconceito e a violência contra as pessoas mais velhas?”
O resultado da enquete com 313 votos foi:
- 44% etarismo
- 36% velhofobia
- 12% idadismo
- 8% ageísmo
Etarismo é a discriminação com base em estereótipos associados à idade. A discriminação etária pode se manifestar de diferentes maneiras, como atitudes de exclusão, de violência, de abuso, de infantilização e até mesmo por meio de piadas e “brincadeirinhas”. O termo é útil para denunciar qualquer tipo de discriminação com base na idade, podendo envolver preconceitos contra os velhos, mas também contra adultos, adolescentes e crianças..
Exatamente por isso, prefiro falar de velhofobia, pois meu propósito tem sido combater a violência contra os mais velhos, apesar de considerar importante denunciar a discriminação em outras fases da vida.
Sinceramente, não acho tão importante assim a palavra que escolhemos para combater a violência, a discriminação e o preconceito contra os mais velhos, seja velhofobia, etarismo ou outra qualquer. Para mim, o mais importante é denunciar que as nossas casas escondem uma brutal violência física, psicológica e verbal, abuso financeiro, negligência, falta de cuidados básicos de higiene e de saúde, maus tratos e abandono dos mais velhos.
Nas eleições, precisamos lembrar que combater a velhofobia é lutar pelo nosso próprio direito de envelhecer com dignidade. Cada voto pode ser decisivo para o futuro dos nossos filhos e netos: os velhos de amanhã.