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Único deputado estadual negro em Santa Catarina na verdade é branco

Falha de registro no TSE pode esconder desigualdade racial ainda maior nas Assembleias Legislativas

PORTO ALEGRE e SÃO PAULO

deputado Julio Garcia (PSD) é um veterano da política de Santa Catarina. Aos 72 anos, está em sua sexta passagem pela Assembleia Legislativa do estado, onde, segundo dados oficiais do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), é o único negro entre os 40 membros da Casa.

Só que ele é branco e assim se reconhece. De acordo com seu gabinete, houve uma falha do partido ao registrá-lo como pardo (categoria que o TSE soma aos pretos para chegar ao total de negros). O problema, diz, será corrigido.

Homem branco em pé, de terno, sorrindo
O deputado Júlio Garcia (PSD) – Vicente Schmitt / Agência AL

Rio Grande do Sul vive situação parecida, com somente um representante negro eleito na última disputa. Nesse caso, o deputado Airton Lima (Podemos) confirma o registro feito por seu partido.

Só que ele descobriu isso apenas depois da eleição de 2018. Ele conta que, quando um jornal universitário o procurou porque se tratava do único não branco entre os 55 membros da Assembleia Legislativa, acreditou ser um engano.

Seu partido à época (PL, então chamado PR), contudo, informou que havia se baseado na documentação do próprio deputado para fazer o cadastro como pardo. Lima verificou o seu certificado de dispensa do serviço militar e lá estava: “cútis: morena”.

Homem pardo durante discurso
O deputado Airton Lima (Podemos) – Guerreiro / Agência ALRS

“Não vou mudar [a declaração] porque não há nada de errado com ela. Eu sou mesmo [pardo]. Nasci no Ceará e a minha pele é morena. Mas, para ser sincero, não lembro de nenhuma ocasião em que tenham perguntado a minha raça”, diz o deputado, que afirma não ter intenção de pleitear verbas ou tempo de TV em razão da sua etnia.

“Sou da Comissão de Direitos Humanos, abomino o racismo. Mas sou pastor há 46 anos e acredito que todos são iguais perante a Deus. Também não me oponho a que os negros busquem mais recursos e visibilidade para as suas candidaturas, mas é o eleitor quem decide quem eleger.”

De fato, é o eleitor quem vota, mas ele só pode escolher entre candidatos a respeito dos quais ouviu falar. E, como regra, candidatos que queiram se tornar conhecidos precisam gastar dinheiro.

De acordo com o recente estudo “Desigualdade Racial nas Eleições Brasileiras”, existe uma forte relação entre financiamento eleitoral e voto.

Conduzido pelos economistas Sergio FirpoMichael França, Alysson Portella e Rafael Tavares, do Núcleo de Estudos Raciais do Insper (Firpo e França também são colunistas da Folha), o trabalho mostra que todas as Assembleias Legislativas do país têm menos deputados negros do que seria esperado levando-se em conta a divisão racial do respectivo estado.

As Assembleias que mais se aproximaram do ideal são a do Acre e a de Roraima. Segundo dados oficiais, para a primeira se elegeram 17 deputados negros, 2 a menos que o ponto de equilíbrio; para a segunda foram 13, quando a faixa de equilíbrio estaria em torno de 16 ou 17.

Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão na outra ponta desse ranking, onde o desequilíbrio se revela muito acentuado. Considerando a proporção racial entre os eleitores em ambos os estados, os catarinenses atingiriam a faixa de equilíbrio com 8 deputados negros, e os gaúchos, com 11.

disparidade se repete quando se avaliam os deputados federais eleitos em todas as unidades da Federação. Nesse caso, o Rio Grande do Sul também é destaque negativo, pois não elegeu nenhum parlamentar negro para a Câmara (veja os dados completos).

Para chegar ao resultado, os pesquisadores usaram o índice de equilíbrio racial (IER), uma ferramenta que também foi aplicada no Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial).

O IER parte do pressuposto de que, numa sociedade com equilíbrio racial, a proporção de negros e brancos entre os deputados seria parecida com a proporção de negros e brancos entre os eleitores.

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Assim, os quatro economistas olharam a proporção de negros e brancos entre as pessoas com 18 anos ou mais em cada unidade da Federação e as compararam com as respectivas bancadas de deputados, tanto na Câmara quanto nas Assembleias Legislativas.

A pesquisa revela, entre outras coisas, que existe razoável equilíbrio racial quando se olha para as candidaturas, mas que a desigualdade dispara quando se olha para os eleitos.

Na prática, isso se traduz numa taxa de sucesso muito maior para brancos do que para negros.

No caso dos candidatos a deputado estadual brancos, essa taxa foi de 9,1% na disputa de 2018. Entre os negros, é menos da metade, 3,7%.

Dito de outra forma, nas últimas eleições, candidatos brancos tiveram pelo menos o dobro de chance de serem eleitos deputado federal ou estadual na comparação com candidatos negros.

“As diferenças no acesso aos recursos de campanha podem realmente ser uma importante causa na diferença de performance entre candidatos a deputados federais brancos e negros”, escrevem os autores do estudo sobre desigualdade racial, que também mostra como homens recebem mais verbas do que mulheres.

A disparidade que eles mostram pode ser ainda maior, porque o estudo levou em conta o banco de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), baseado em autodeclaração e sujeito a fraudes ou erros, com aumento artificial das candidaturas negras e uso de mulheres como laranjas.

“Mesmo com as limitações da base de dados, espera-se que a divulgação desses resultados contribua para que a sociedade comece a ter maior clareza da dimensão da falta de representatividade na nossa ‘democracia’ e como isso afeta suas vidas”, diz Michael França.

Colaborou Tayguara Ribeiro

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