*Ana Paula Simões
Listo neste artigo os oito maiores motivos de queixas para dar algumas dicas para quem pratica o triatlo. Evite essas armadilhas comuns com prevenção e seu desempenho também pode melhorar.
Não há dúvida: as lesões são frustrantes, dolorosas e muito comuns. Em um estudo de cinco anos realizado na Grã-Bretanha com um grupo de triatletas, 72% sofreram lesões; e as taxas eram as mesmas quer eles estivessem treinando a distância olímpica, que estivesse treinando o Ironman full. No entanto, o artigo mostrou que, os atletas cometem certos erros que são comuns a qualquer modalidade e independem do nível. Por isso concluíram que vale mais a pratica saudável e as recomendações que listei abaixo de prevenções do que se arriscar a estar nessa estatística.
- Você vai longe demais, ou rápido demais, cedo demais
As lesões acontecem quando o estresse normal do treinamento é distribuído para estruturas que não foram projetadas (ou estão prontas para) suportar a intensidade do treino. Se você não tem boa estabilidade nos ombros e joelhos, por exemplo, o estresse é transferido para a articulação, causando sobrecarga.
Um dos desafios do treinamento para triatlo é que o sistema cardiovascular é altamente adaptável, mas o sistema musculoesquelético leva mais tempo para se recuperar. Muitas vezes, os triatletas se esforçam até quebrar e sofrer uma lesão. Respeite o seu plano de treinamento e faça a progressão e a recuperação conforme a orientação do seu treinador. Não pule de forma alguma os dias de fortalecimento e siga a planilha sem exageros.
- Sua amplitude de movimento é tão ampla quanto sua passada
A amplitude limitada de movimento é um grande problema, especialmente nos quadris, uma vez que a maioria das pessoas trabalha ou passa muitas horas do dia sentada. Examinando os atletas, cerca de 80 a 85% das pessoas não têm extensão adequada do quadril ou existe algum déficit de amplitude, e isso está diretamente ligado à sua forma de correr e pedalar (na natação só influencia no nado peito).
Razões convincentes para aumentar sua mobilidade do quadril: primeiro, é um dreno de energia nas atividades de impacto, pois são seus quadris que absorvem a energia na fase de apoio. Segundo, é um risco de lesão ter o quadril rígido. Se você não tiver boa amplitude de movimento, sua pelve será compensada. Se você não tem uma boa extensão do quadril, sua posição lombar também será compensada nos três esportes. E, mais cedo ou mais tarde, você estará com lombalgia.
Nesse caso, alongamentos clássicos do quadril podem aumentar sua amplitude de movimento. Portanto, trabalhe sua amplitude com alongamentos diários seguidos de um bom fortalecimento. E levante mais no seu dia a dia. Evite ficar muitas horas parado numa posição.
- Você precisa de força e estabilidade
A estabilidade do quadril e da pelve são importantes para a corrida. Sem estabilidade proximal, seu quadril pode girar para dentro, puxando sua perna internamente e colocando muito estresse no joelho.
A instabilidade também pode fazer com que você sobrecarregue a região lombar ou a incline para frente. Isso não apenas predispõe aos problemas na região lombar, mas também perpetua a fraqueza nos extensores do quadril, o que faz você inclinar ainda mais. Trabalhar o treinamento de estabilidade melhorará a qualidade dos seus treinos de natação, bicicleta e corrida e permitirá que você tolere altos volumes sem lesões.
A estabilidade também traz benefícios de desempenho: quanto mais estável você for, melhor sua performance. É a diferença entre tentar correr com um corpo fraco e flácido versus um feito de fibra de carbono e forte!
- Você constrói músculos em vez de educá-los
Se você está com um músculo fraco, faz sentido fortalecê-lo, certo? Sim, mas existe a maneira correta. Muitos atletas querem resultados imediatos e esquecem o que é importante, que é ensinar o músculo fraco a disparar e responder ao estímulo de forma correta.
Você pode fazer agachamentos o dia todo, mas se os músculos não estão sendo ativados corretamente, você só está gastando energia. Os músculos à sua volta compensarão os fracos que não conseguem acompanhar, mesmo que não sejam suas principais funções. Isso é ineficiente, acaba não fortalecendo de forma homogênea e com o objetivo desejado. No começo, você precisa isolar o músculo para que ele seja o único que trabalha. A ideia é fazer com que o cérebro envolva esse músculo na forma correta e que o mesmo seja ativado na hora do esporte.
É isso que esses exercícios fisioterapêuticos e de força aparentemente tediosos, como conchas, agachamentos de uma perna e inclinações pélvicas, fazem. E é por isso que eles são críticos para a sua capacidade de evitar lesões ou se recuperar, além de te ajudar a ter um desempenho melhor. O sucesso não é sobre quem pode fazer mais ou quais são os músculos mais fortes; é sobre a qualidade de como você melhora o músculo. Embora varie de atleta para atleta, esse tipo de reeducação muscular geralmente leva de duas a três semanas. Depois, você pode fortalecer e integrar essas novas habilidades de tiro ao seu padrão de movimento do corpo inteiro.
- Seu tecido conjuntivo não é flexível
Uma teoria popular entre os fisiculturistas está chegando ao atletismo: a ideia de que o tecido conjuntivo é um fator-chave na raiz da lesão. O tecido conjuntivo sempre foi pensado para ser apenas o “material de embalagem” do corpo em torno de todos os seus músculos, ossos e órgãos. Mas agora acredita-se que essa matriz contínua em forma de rede em todo o corpo seja o ambiente em que a maioria dos nervos sensoriais “vive e trabalha”.
Os nervos sensoriais são responsáveis pela propriocepção, que ajuda seu corpo a fazer o que você pede. Mas eles dependem do ambiente do tecido conjuntivo para permanecerem estáveis, de modo que o cérebro obtém informações precisas do seu corpo. Entre seus muitos outros trabalhos, o tecido conjuntivo também ajuda a transportar oxigênio, nutrientes e resíduos para as células.
Quando saudável, o tecido conjuntivo fornece às articulações sua absorção de choque, mantém o tempo das fibras musculares em equilíbrio para que os músculos tenham contrações coordenadas melhores e possam ajudar as articulações a serem mais estáveis. O problema é que muita ação (que, no caso do triatlo, seria nadar, andar de bicicleta e correr) ou muita inatividade (ficar sentado por horas por exemplo) podem danificar o tecido, puxando a água para fora das células. Com isso, ele torna-se rígido, inflexível e menos capaz de se adaptar aos seus movimentos. Como resultado, isso não apenas impede que as estruturas ao seu redor funcionem com eficiência, como também não pode transmitir informações precisas ao seu corpo sobre, digamos, o que está sob os pés. Suas respostas musculares podem ficar atrasadas, o que pode fazer com que você se sinta fraco, descoordenado ou instável. Costumo falar aos pacientes que é aquela sensação de “corpo duro”, o que significa que as articulações estão comprometidas porque o tecido conjuntivo não está fazendo o seu trabalho, provavelmente.
Reidratar os tecidos não é questão de beber água. Trata-se de fazer com que os fluidos se movam novamente, rolando-os em rolos ou bolas de espuma macia (role sobre suas “massas musculares” – braços, pés, mãos, caixa torácica, ombros- não espaços como a barriga, pescoço, região lombar etc. etc. onde há nervos e órgãos expostos). Chamo de rolinhos de liberação miofascial e sugiro fazer envolvendo áreas específicas do corpo por não mais de 10 minutos por dia. Outros artigos falam que para dar flexibilidade ao tecido conjuntivo o segredo é ficar longe das articulações e contornar a dor, não fazer diretamente sobre ela.
- Você negligencia seus pés
O pé é a coisa número um que os atletas negligenciam, vejo isso diariamente. Não basta apenas vestir o tênis e sair para os treinos. Existem 26 ossos e 33 articulações no pé. Se você mantiver tensão nos músculos do pé, as articulações não poderão se mover. Mas se você consegue fazer com que as articulações sejam realmente móveis, é como ter 33 pequenos microcomputadores dizendo ao corpo o que está acontecendo quando você toca o chão e como se ajustar.
Recomendamos cinco minutos antes do treino para relaxar o pé e liberar a tensão. Aprenda a mover os dedos dos pés enquanto corre. Role os pés sobre uma pequena bola e sinta todas as bordas nelas, ou até massageie, mova o tornozelo em círculos e alongue. Quando você amplia o pé e aumenta sua base de suporte, fica inerentemente mais estável. Como existem muitas linhas de tecido conjuntivo nos pés, você ficará surpreso com o quanto mais feedback nos pés muda com a sensação de outras partes do corpo, por mais bobo que isso pareça.
- Você gasta R$ 15.000 em uma bicicleta, mas não gasta 500 para o ajuste (bike fit)
Quando se trata de lesões, às vezes é sobre o ajuste da bicicleta, o chamado bike fit. A bicicleta errada pode forçá-lo a uma posição que não funciona necessariamente para você, ao contrário da bicicleta que sustenta sua posição natural.
Mesmo se você estiver na bicicleta certa, poderá precisar de adaptações se surgir uma dor repentina. Isso significa que algo mudou. Pode ser o equipamento, talvez seus sapatos ou pedais estejam desgastados; ou pode ser uma mudança no seu corpo, como uma mudança de peso ou alteração na amplitude de movimento. Muitas vezes, essa mudança pode ser até um aumento no treinamento. Algo que não incomodou você quando andava 40 km por vez pode ser um problema se você estiver começando a treinar 60, 70 ou 80 km. O ajuste é dinâmico e pode precisar ser revisado como seu corpo ou as exigências nele mudam.
Quando sentir dor e não for traumático, procuro um médico ou um montador? Não há uma resposta clara, mas acho que uma das definições de um profissional qualificado é quando eles sabem que estão fora de seu elemento e recomendam que você procure sempre ajuda para tentar identificar o problema, descartando obviamente todas as possibilidades.
- Você acha que “descanso” é uma palavra suja
O descanso deve ser trabalhado para maximizar a cura e minimizar o descondicionamento. Portanto, se você torcer o tornozelo, provavelmente poderá trabalhar a parte superior do corpo enquanto está se recuperando.
Mas, por outro lado, você deve aceitar que precisará evitar algumas coisas. Não adianta querer fazer atividade em fase de recuperação de lesão, você não vai fazer nenhum dos dois de forma correta. Tenho triatletas que se machucam e perguntam: mas eu posso treinar de leve? Diminuir a velocidade não vai ajudar a recuperação. Repouso é repouso!
Sempre apenas da região acometida, as demais podem ficar em manutenção ativa!
Bons treinos!
*Ana Paula Simões é Professora Instrutora da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Mestre em Medicina, Ortopedia e Traumatologia e Especialista em Medicina e Cirurgia do Pé e Tornozelo pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. É Membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia; da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé, da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte; e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. www.anapaulasimoes.com.br