Petrobras sabia de abusos sexuais há mais de 6 meses, mas só demitiu petroleiro após denúncia do MP
Uma investigação interna foi aberta pela ouvidoria da empresa depois de denúncias das vítimas, mas foi arquivada, sem punição, sob a alegação de falta de provas, apurou a GloboNews. Na segunda-feira (3), a Petrobras criou um grupo de trabalho para rever os procedimentos internos de recebimento e tratamento das denúncias de assédio e importunação sexual contra mulheres.
Por Isabela Leite, g1
Edifício-sede da Petrobras, no centro do Rio — Foto: Marcos Serra Lima/g1
A Petrobras foi comunicada sobre o abuso sexual cometido contra três mulheres no Centro de Pesquisas (Cespen) na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio, há mais de seis meses, mas só demitiu o funcionário Cristiano Medeiros de Souza acusado pelos assédios depois de uma denúncia do Ministério Público do Rio (MP-RJ).
Uma investigação interna foi aberta pela ouvidoria da empresa depois de denúncias das vítimas, mas foi arquivada, sem punição, sob a alegação de falta de provas, apurou a GloboNews.
Na segunda-feira (3), a Petrobras criou um grupo de trabalho para rever os procedimentos internos de recebimento e tratamento das denúncias de assédio e importunação sexual contra mulheres. As denúncias de abusos foram reveladas por Ancelmo Gois, colunista do jornal “O Globo”.
A GloboNews teve acesso a documentos e a relatos que mostram que a ouvidoria, o departamento de recursos humanos e a gerência do Cespen sabiam do caso desde setembro do passado. A demissão do agressor só aconteceu, no entanto, depois que o MP do Rio denunciou o petroleiro por assédio e importunação sexual cometido contra uma das auxiliares de limpeza. Segundo a defesa da vítima, a denúncia foi aceita pela Justiça.
Um ofício de 7 de novembro do Sindicato dos Petroleiros do Rio (Sindipetro-RJ), por exemplo, comunicou a Petrobras que quatro trabalhadoras da área de limpeza de uma empresa terceirizada tinham sido a assediadas sexualmente pelo petroleiro, sendo uma delas vítima de estupro, dentro do Cenpes.
O documento do Sindipetro-RJ dizia que “diante da gravidade da situação e da insegurança gerada, uma das vítimas pediu demissão”. No documento, o sindicato cobrava proteção das mulheres e celeridade na apuração das denúncias, afirmando que a Petrobras tinha conhecimento dos acontecimentos há pelo menos 60 dias.
A entidade de classe afirmava ainda que foi que o empregado era conhecido na unidade “pela
forma desrespeitosa como trata as mulheres, em especial aquelas de empresas contratadas”, o que poderia ser um sinal de alerta para outras possíveis vítimas.
Em uma reunião, já em 2023, com a presença de representantes do sindicato, da defesa das vítimas e da Petrobras, a ouvidoria informou às partes que não teria sido possível reunir provas suficientes para punir o petroleiro e, por isso, concluiu a investigação sem sanções ao agressor. Ele foi mantido na mesma unidade das vítimas durante a apuração. A demissão só aconteceu após a denúncia do MP.
Em mensagens, funcionárias da Petrobras relatam assédio
Em um grupo de Whatsapp, funcionárias da Petrobras relataram dezenas de episódios de assédio sexuais cometidos por colegas de trabalho e superiores hierárquicos quando estavam embarcadas em plataformas e também em outras unidades da empresa, como o Centro de Pesquisas.
A GloboNews teve acesso a um compilado de 53 mensagens com relatos espontâneos de pessoas que foram vítimas dos abusos ou também testemunhas de agressões contra as trabalhadoras, como alguns exemplos abaixo:
“A gente botava cadeira na porta à noite porque era proibido trancar… Uma amiga passou por uma situação bizarra. Chegou no camarote e tinha um cara mexendo nas calcinhas dela”
“Voltando de um evento da gerência à noite, dividi o uber com o meu gerente imediato. Quando chegou na casa dele, ele começou a me agarrar. Depois de conseguir fazer com que ele parasse, ele veio insistir que queria ir para minha casa, obviamente não deixei”
“Embarquei uma única vez, no curso de formação. Me colocaram num quarto com um químico. No começo fiquei de boa porque a gente tinha horário trocado e nunca via ele no quarto. Até um dia que entrei e ele estava deitado assistindo um filme pornô na televisão do quarto. Saí na mesma hora para falar com o fiscal que não ficaria mais naquela situação.”
“A recepcionista da gerência que eu trabalhava teve o seio apalpado por um petroleiro, dentro da empresa. O caso virou o escândalo da gerência e todo mundo soube do caso, mas a chefia não fez nada. A moça foi transferida de área”
As mensagens foram compartilhadas depois que a GloboNews revelou que funcionárias terceirizadas do Centro de Pesquisas da Petrobras, na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio, denunciaram um petroleiro por assédio sexual em 2022.
Abuso do chefe
Em março deste ano, o Ministério Público do Rio denunciou o agressor por assédio e importunação sexual contra uma mulher das mulheres, que prestava serviços à empresa. Segundo o MP, o agressor, “esfregou por três vezes o pênis nas nádegas da vítima, conforme registro de ocorrência feito pela vítima” e tentou forçar relações sexuais com ela.
Além disso, usando de sua condição de superior hierárquico, o petroleiro “balançava seu crachá e passava a constrangê-la de forma insistente, mesmo com a sua recusa, tendo por fim surpreendido a funcionária, enquanto a mesma realizava a limpeza de uma pia, a abordando pelas costas e esfregando o pênis em suas nádegas”, afirmou o MP. As denúncias de outras duas auxiliares de limpeza contra o mesmo petroleiro também foram feitas à Polícia Civil.
Proteção masculina
Para a diretora do Sindipetro-RJ e integrante do Grupo de Trabalho Diversidade e Combate às Opressões, Natália Russo, a empresa ainda vive um processo de proteção masculina quando os assédios ocorrem.
“Nas refinarias, na área operacional, a realidade é ainda pior porque você tem 2… 3 mulheres em um universo de 200 homens. E quando as mulheres conseguiram denunciar, os homens não tinham punição e não perdiam o cargo. Só eram transferidos de setor. Isso aconteceu em muitos casos”, afirmou.
Grupo de trabalho
Após o caso vir à tona, a Petrobras fez reunião com gerentes executivos e o presidente da companhia disse que iria fortalecer as medidas de combate.
A criação de um grupo de trabalho para rever os procedimentos internos de recebimento e tratamento das denúncias de assédio e importunação sexual contra mulheres também foi anunciada.
Segundo a empresa, os resultados do diagnóstico e as medidas imediatas serão apresentados até o dia 20 de abril.
Em comunicado, a Petrobras afirma que “não tolera nenhum tipo de assédio e violência contra mulher.” e que, “ao longo de toda a análise, serão revistos os processos de proteção às denunciantes e de aplicação de punições, assim como as atribuições das áreas responsáveis pela apuração das denúncias”.
O blog tenta contato com a defesa de Souza.