Homenagens

Figuras do asfalto: o aniversário de São Paulo por quem vive as ruas da metrópole

Para marcar os 469 anos da capital paulista, g1 entrevistou 5 moradores que vivem intensamente as 5 zonas da cidade e falam sobre suas conexões com São Paulo; veja os VÍDEOS

Por Fábio Tito e Luiz Franco, g1 — São Paulo

 


Figuras do asfalto: o aniversário de São Paulo por quem vive as ruas da metrópole — Foto: Luiz Franco/g1

Figuras do asfalto: o aniversário de São Paulo por quem vive as ruas da metrópole — Foto: Luiz Franco/g1

São Paulo completa 469 anos composta por muitas vozes que traduzem o que é a vida na metrópole, qual é a cara da cidade. O g1 buscou nas cinco zonas de SP (Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro) algumas dessas pessoas que vivem a capital paulista de forma intensa, nas ruas, em contato direto com o asfalto da capital paulista.

Morador da favela de Vila Prudente, na Zona Leste, Douglas abraçou para si a missão de registrar a história de sua quebrada. Emerson mora em um carro e acha que em vidas passadas já vivia pela região de Pinheiros, na Zona Oeste. Quixote veio do ES, percorre o metrô na Zona Norte como artista de vagão e vê de perto a correria dos paulistanos no metrô. Cris SNJ vê sua superação no mundo do rap e no dia-a-dia refletida na cidade. Ana Luiza conta que foi batizada de “Animal” enquanto morava nas ruas do Centro. VEJA OS 5 VÍDEOS ABAIXO.

‘Vou tirando foto, porque vai virar relíquia’

469 anos de São Paulo: Douglas e a importância dos registros da favela de Vila Prudente

469 anos de São Paulo: Douglas e a importância dos registros da favela de Vila Prudente

Cria da favela de Vila Prudente, Douglas Silva, de 33 anos, ganhou fama ali com o nome artístico de DJ Dengue, produzindo músicas e videoclipes de artistas locais. Totalmente faz-tudo nessa funça, enquanto se familiarizava com foto e vídeo ele passou a reparar cada vez mais nas cenas únicas que encontrava pela favela — e, de alguma forma, a se apaixonar por elas.

Douglas sempre foi curioso e percebeu a dificuldade para encontrar registros de como era no passado a favela no bairro da Zona Leste de São Paulo. O pouco de história que encontrou, ele notou que podia sumir a qualquer momento.

Assumiu para si, então, a missão de uma espécie de “historiador da quebrada”. Há mais de uma década ele registra em fotos e vídeos as cenas que mais o fascinam da vida em Vila Prudente. “Vou tirando foto, porque daqui a 20 anos, 40 anos, as fotos, os vídeos vai virar relíquia. Vão falar: ‘Caramba, olha essa foto aqui que o Dengue tirou! Olha o vídeo aqui da favela, como era antigamente’, tá ligado?”

‘Acho que, na minha outra encarnação, eu já morava aqui’

469 anos de São Paulo: Emerson, uma casa-carro e a identificação com o bairro de Pinheiros

469 anos de São Paulo: Emerson, uma casa-carro e a identificação com o bairro de Pinheiros

Emerson Amaral dos Santos, de 41 anos, conta que desde pouco antes dos 10 anos de idade já costumava fugir de casa, em uma periferia da Zona Oeste, pra passar o dia pela região de Pinheiros. Mais de três décadas depois, atualmente morando em um Uno Mille com suas duas cachorras (Maconha e Semente), ele não consegue ver a vida em outro lugar.

“Se Deus olhasse pra minha cara e perguntasse: ‘Você queria morar onde? Argentina, Londres, Nova York… ou Brasil? Com certeza, como eu não sou burro, eu ia vir pro Brasil. Pra Pinheiros, São Paulo. Porque não tem lugar melhor, não tem. Para mim, não tem lugar melhor”, diz Emerson, também conhecido na região como Chanel ou Alemão.

Ele entende que o vício em drogas sintéticas, como cocaína e crack, além de falsas amizades foram os grandes responsáveis por muitas perdas que teve ao longo da vida. E se contenta com o tipo de amizade que atrai sua condição de morador de carro, na qual ele se encontra há mais de 13 anos. “Eu não tenho nada a oferecer além da companhia, da conversa, então quem encosta aqui é porque gosta de mim mesmo”, diz.

‘Consigo alcançar um público de 40 pessoas em 4 minutos’

469 anos de São Paulo: Quixote, muitas ideias e a vida de artista de vagão na Zona Norte

469 anos de São Paulo: Quixote, muitas ideias e a vida de artista de vagão na Zona Norte

Quixote é o nome artístico de Sanderlei Matias Pereira da Silva, de 23 anos. Nas redes sociais, ele se define como “artista de rua, de praça, metrô, onde pode tocar e onde também não”. Em suas composições, um dos temas é a crítica ao pouco interesse em artistas independentes no Brasil, e vê na malha metroviária* da Zona Norte de São Paulo um ótimo lugar onde mostrar seu talento. “A cada 4 minutos, são 40 pessoas diferentes que eu mostro a minha arte, que podem gostar, podem não gostar”, diz.

O capixaba conta que começou a se apresentar na música ainda adolescente em Cariacica (ES) antes de chegar a São Paulo com 17 anos, no final do ensino médio. Em SP, ele começou a se destacar em slams, as batalhas de versos, produz suas próprias músicas e admira a quantidade de eventos culturais que a cidade oferece de graça.

“É muito doido que aqui parece que é onde tudo acontece. Onde tem trampo o tempo inteiro, vai ter rolê o tempo inteiro, cê vai conseguir ver a pessoa que você curte o trampo, tá ligado? Esses dias eu assisti Black Alien, maluco! Black Alien, FBC… Parça, tá ligado, os dois não são aqui de São Paulo, mas aqui em São Paulo eu consegui assistir os dois por causa desses eventos, que são gratuitos”, vibra.

*O Metrô de SP informou que não autoriza apresentações musicais dentro dos vagões de seus trens, e que conta com projeto para shows de artistas independentes em algumas estações.

‘Uma mulher que gira tanto quanto São Paulo’

469 anos de São Paulo: Cris SNJ, a Zona Sul e a superação da mulher preta periférica

469 anos de São Paulo: Cris SNJ, a Zona Sul e a superação da mulher preta periférica

“Aqui é o bairro que me fez conhecer melhor o hip-hop, que fez com que eu me apaixonasse e quisesse ter voz como uma mulher negra através do rap, entendeu? É aqui, Parque Arariba, Zona Sul de São Paulo.”

É assim que Cristiana Aparecida de Souza, de 46 anos, fala do lugar onde nasceu e cresceu. As memórias da juventude trazem os vinis que os amigos que trabalhavam no Centro levavam para a quebrada e os bailes black que agitavam a região. Naquela época ela mal sabia, mas anos depois estaria cantando sobre palcos da Zona Sul e produzindo seus próprios eventos na sua quebrada.

Cris estourou na virada dos anos 2000 com sucessos do grupo de rap SNJ, e até abraçou a sigla (de “Somos Nós a Justiça”) como parte de seu próprio nome artístico. Mas seu perfil de luta a levou a sair do grupo, onde sentia sua voz enfraquecida diante dos companheiros homens, para buscar a carreira solo. “Minha história com São Paulo é uma história também de superação. Acho que é um relacionamento de superação”, conta.

‘Eu me sinto parte, eu faço parte, eu sou da casa!’

469 anos de São Paulo: Animal e as voltas que a vida dá até se virar um ícone do Centro

469 anos de São Paulo: Animal e as voltas que a vida dá até se virar um ícone do Centro

Animal, a Ana Luiza dos Anjos Garcez, é um pequenino furacão de 1 metro e meio e 60 anos de idade. Quando chega à Praça da Sé para mostrar onde morou por anos, ela atravessa pelo meio uma pequena feira do rolo como se fosse dona do lugar, parecendo que pode espantar a mordidas qualquer um que se aproxime dela ou da equipe de reportagem.

O apelido veio da época em que ela vivia na rua, mas Animal conta que a cidade já a ensinou muita coisa desde então. “São Paulo me ensinou a viver. Que eu não era gente, eu era uma outra pessoa. São Paulo me ensinou a conversar com as pessoas, ser mais educada. Eu amo São Paulo, sem São Paulo eu não sou nada”, diz.

O carisma e a inesperada descoberta de seu talento como maratonista a ajudaram a sair das ruas, a conseguir um lar e a investir num dos seus maiores hobbies: aparecer. Mesmo quando corre profissionalmente disputando pódios em sua faixa etária no Brasil e no exterior, Animal adora se montar com os looks mais loucos para chamar a atenção das câmeras. Ganhou fama como figurinha carimbada da São Silvestre, e até nas transmissões da Copa do Mundo no Anhangabaú ela já chamou atenção.

Não à toa, acaba sendo reconhecida vez ou outra por onde passa. E parece que essa fama faz que ela sinta ainda mais o pertencimento a um lugar que já a tratou de formas tão diferentes. “Sem eu aqui na Paulista não tem graça. Você vê, se tem a São Silvestre sem a Animal? Não tem graça. Eu me sinto parte, eu faço parte, eu sou da casa! Eu tenho um pedaço aqui de São Paulo no meu coração”, afirma.

Figuras do asfalto: personagens das zonas Norte, Sul, Leste, Oeste e Central foram ouvidas pelo g1 para o aniversário de São Paulo — Foto: Editoria de arte/g1

Figuras do asfalto: personagens das zonas Norte, Sul, Leste, Oeste e Central foram ouvidas pelo g1 para o aniversário de São Paulo — Foto: Editoria de arte/g1

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