Bolsonaro contra as mulheres
Que 'identitarismo' é esse que Bolsonaro conseguiu vender para parte dos homens brasileiros?
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
A essa altura, ninguém discute que Bolsonaro tem um problema com as mulheres. Isso ficou evidente em sua agressão à deputada Maria do Rosário, em seu elogio da tortura de Dilma Rousseff na votação do impeachment. O problema ficou ainda mais claro em sua campanha contra jornalistas mulheres, com ataques sórdidos contra Patrícia Campos Mello, Míriam Leitão, Amanda Klein e, mais recentemente, Vera Magalhães.
É cada vez mais claro que Bolsonaro só conseguiu se comportar mais ou menos bem na sabatina do Jornal Nacional porque os hormônios de William Bonner estavam ali, dando segurança psicológica para o presidente por mais que Renata Vasconcellos o questionasse.
Recentemente, aliás, em um discurso em que tentava usar a primeira-dama para melhorar sua imagem diante do eleitorado feminino, Jair resolveu puxar um coro em defesa do próprio pênis.
O machismo é parte do problema, é claro, mas políticos machistas, em geral, são capazes de se controlar quando é de seu interesse. O que faz Jair se descontrolar dessa forma?
Sobre isso, há duas hipóteses. Alguns acham que é porque Jair ataca quem denuncia seus crimes, e nos últimos quatro anos as mulheres fizeram melhor esse trabalho. Outros acham que é porque as mulheres brasileiras insistiram em cuidar de seus filhos quando Jair tentou matá-los na pandemia de 2020-2021 e na fome de 2022.
Os ataques às jornalistas sempre vêm quando um crime de Jair é descoberto. Campos Mello descobriu seu sistema clandestino de disparos de WhatsApp na campanha de 2018, Klein perguntou-lhe sobre os 51 imóveis que a família de Jair pagou em dinheiro vivo, Magalhães perguntou sobre a culpa de Bolsonaro na redução da cobertura vacinal brasileira, Leitão já denuncia Jair faz tempo por seus ataques à democracia.
Mas ainda acho que o principal motivo do ódio de Bolsonaro contra as mulheres brasileiras se deve à insistência de nossas compatriotas em dar de comer a seus filhos, em cuidar para que não fiquem doentes.
Bolsonaro deixou os filhos das brasileiras sem vacina durante a pandemia; deixou os filhos das brasileiras sem comida durante a inflação de 2022. Há bem mais mulheres do que homens dizendo que experimentaram insegurança alimentar no Brasil nos últimos anos.
O que nos leva a repensar o problema: se há mais mulheres do que homens preocupados com a fome de seus filhos, não é que Bolsonaro tenha um problema com as mulheres, é que o Brasil tem um problema com parte de seus homens. Por que eles não estão preocupados com seus filhos?
Em minha primeira coluna sobre Bolsonaro, escrevi que bolsonarismo não era coisa de homem, porque homem é um tipo de adulto. Adulto cuida dos filhos. Adulto é a favor de vacina. Que “identitarismo” é esse que Bolsonaro conseguiu vender para parte dos homens brasileiros, em vez de oferecer-lhes emprego, renda e cidadania?