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A complexidade amazônica

*Oscar D’Ambrosio

Em um momento em que se fala tanto da Amazônia, seja no sentido ambiental ou no da preservação dos saberes tradicionais, o filme colombiano “O Abraço da Serpente”, primeiro do país a concorrer ao Oscar, torna-se obrigatório, pois ilumina diversas posições importantes sobre o ser humano da região e sua relação com os mundos que lhe são próximos e distantes.

O diretor Ciro Guerra dá uma dimensão ética e, em alguns momentos, mística a sua narrativa, ao estabelecer um elo entre os diários de viagem de dois pesquisadores que, na primeira metade do século XX, estiveram na região. Com quarenta anos de diferença, ambos dialogam com o mesmo xamã indígena.

E o tempo traz consequências para todos nos mais variados sentidos. O primeiro deles é o alemão Theodor Koch-Grünberg (1872 – 1924), o etnólogo que foi a principal fonte teórica utilizada por Mario de Andrade para escrever Macunaíma (1928). Ele faleceu de malária no Brasil e, no filme, é mostrado em sua obsessão por uma flor que lhe salvaria a vida.

O segundo é o botânico norte-americano Richard Evans Schultes (1915 – 2001), que busca a mesma flor. Se Theo é apresentado como um homem doente que não deseja morrer na floresta, Richard surge como um ser bem mais angustiado. A sua busca é uma mescla de ambição científica e financeira com indagação existencial.

O xamã também mudou muito em quatro décadas: de uma postura arrogante em relação ao homem branco passa para um ser envelhecido que não reconhece a si mesmo enquanto líder espiritual. Nesse contexto, a destruição da flor surge como o fim de um elo do indígena com a natureza: é preferível destruir o poder autóctone da planta a deixar que caia nas mãos do homem branco.

Realizado em preto e branco, o filme exalta a grandiosidade da natureza amazônica e de sua cultura, assim como a destruição do passado e do presente amazônico nas mãos do colonizador. Mas não se trata de ver mocinhos ou bandidos na tela, mas sim de seres humanos complexos lutando contra si mesmos e buscando se integrar ao mundo amazônico, cada qual da sua maneira, com acertos e desacertos, dores e desafios.

*Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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