Artigo

De repente o barulho das palavras emudeceu

Adriana Ferreira Serafim de Oliveira[1] 

A manhã do dia 14 de março de 2018 trouxe-me muitas alegrias ao obter aprovação na qualificação da pesquisa de doutoramento em relação às políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres porque acredita-se ter dado voz às mulheres que sofrem violência no cotidiano. A noite da mesma data calou as palavras de uma mulher que emprestava voz aos clamores de maltratados pela desigualdade social, às mulheres invisíveis e aos rejeitados pela sociedade do “status quo”.

As mortes da socióloga e vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco e seu motorista Anderson, ocorrem em um momento em que as instituições brasileiras estão sendo “passadas a limpo” em investigações que redundam em crimes de corrupção praticados contra à sociedade brasileira por servidores públicos que por dever de ofício deveriam representar os anseios do povo brasileiro. Acrescenta-se à ocasião a intervenção na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, que constantemente perde seus cidadãos vitimados por disparos de potentes armas de fogo que dilaceram famílias e avultam as sensações de insegurança e impunidade.

O fenômeno violência integrou-se no tecido social como se parte dele fosse. As pessoas não conseguem conceber em seu imaginário uma sociedade desassociada de tiroteios incessantes, mortes trágicas e insistentes sirenes. Esse é o barulho da violência, do desrespeito aos direitos fundamentais, do silêncio daqueles que se motivavam diariamente para sacar da invisibilidade milhares de brasileiros esquecidos durante séculos…. lembrados como massa de manobra em campanhas eleitorais para darem seu voto às promessas vãs.

A questão não é de ideologias, é de tratar dos direitos de seres humanos, é de perceber que não cabe numa democracia o calar de homens e mulheres, que isso não pode ser relegado ao conforto do “mais um estatístico” para adentar novamente na rotina e agradecer por não ser a “bola da vez”. De repente o barulho das palavras de Marielle Franco emudeceu, nasceu em muitas mulheres, encontrou apoio em muitos homens e iluminou milhares de pessoas que o “status quo” fazia questão de manter no escuro.

É premente que os cidadãos brasileiros despertem que a violência não é parte integrante das sociedades. Que o maltrato de mulheres, homens e crianças, seja pelo Estado ou por outros seres humanos não está de acordo com os princípios de uma nação democrática, de livre pensadores detentores do direito de expressão garantido por tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e estão dispostos na Constituição Federal de 1988.

Marielle Franco terminou sua viagem cumprindo o papel social que escolheu para sua existência, o que lhe dava significado e significava as vidas de milhares de pessoas relegadas às periferias sociais, relegadas às sobras, facilmente justificadas apenas pela desigualdade social. Nós continuamos viajando e qual papel escolheremos?
[1] Doutoranda em Educação – UNESP – RC. Mestre em Direitos Fundamentais. Advogada. Professora.

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