Artigo

Intervenção militar X Intervenção social: a perversa opção brasileira

*Patrícia Soraya Mustafa

Estamos assistindo desde, o término do carnaval e em regime de urgência (por que será?), o pronunciamento do governo interino e de seus suspeitos apoiadores sobre a intervenção militar no Rio de Janeiro, cidade do desfile da Tuiuti, da ala dos “manifestantes fantoches” e do “presidente vampiro”: meras coincidências.

Pois bem, torço para o dia em que, ao ler os jornais pela manhã, vislumbre a seguinte notícia, a de que governantes realizaram uma intensa intervenção social neste país (ilusão?), assumindo a imensa dívida social produzida e reproduzida diariamente por aqui desde o Brasil colônia, e perpetuada e aprofundada até os dias de hoje.

Não cabe nestas linhas arrolar todo este dividendo, mas cabe afirmar que o há, e que hoje se expressa, dentre outros em: milhares de brasileiros e brasileiras sobrevivendo ao desemprego estrutural;  trabalhos precaríssimos, baixíssimos salários, trabalhos temporários, desprotegidos, terceirizados; falta de moradia ou moradias em péssimas condições, muitas delas fruto de políticas públicas que desconsideram quem ali vai morar, pois o mais importante é o favorecimento da empreiteira que as constrói; em cidades cujo transporte público tarda a chegar e não oferece o conforto necessário aos passageiros (conforto? Sim, conforto! Ou só tem direito a este quem usufrui de transporte privado?).

Além disso, podemos ainda mencionar a desproteção de crianças e adolescentes (futuro do Brasil?) que devem (por força de lei) ir todos os dias para as escolas, mas que nelas não encontram acolhida para suas realidades, se tornam mais um numa sala de aula lotada, ou seja, dificilmente aí ficarão. E se ficarem, dificilmente terão suas potencialidades consideradas e desenvolvidas; jovens sem incentivos culturais, esportivos, artísticos, cujos cotidianos são marcados pela tela da TV, a veicular conteúdos alienantes e alienadores que promovem a ilusão de que pelo esforço individual a vida será melhor, como a do personagem da novela.

Ora, poderia encher estas linhas evidenciando as dívidas sociais deste país. E o Estado brasileiro, o que faz diante disso?

Primeiramente, como um Estado de capitalismo tardio, ultra-liberal (vide a agenda econômica do governo interino) nega esta dívida social, e faz mais: transfere esta dívida ao pobre indivíduo trabalhador que deve acreditar que labutando arduamente todos os dias conseguirá uma vida melhor para si e sua família (como na novela). E quando este não o faz, julga-o e o culpa pela sua condição (pobre vagabundo que não quer trabalhar!), ou, criminoso que merece cadeia!

Além disso, retira dos próprios trabalhadores, via impostos diretos e indiretos, no Brasil quem paga mais imposto é quem tem menos, nossa tributação é regressiva e concentradora de renda, recursos para pagar os juros e amortizar a dívida pública que favorece, frise-se, o capital financeiro. Ora, retira da classe trabalhadora para favorecer a reprodução de um capital fictício? Isso mesmo!

Por conseguinte, sobram migalhas para se investir em saúde, educação, previdência social, assistência social, em políticas públicas de incentivo a arte e ao esporte. Migalhas? Isso mesmo, migalhas… Para se ter uma ideia, em 2016 o orçamento público federal para a educação girou em torno de 3,7%, e o de saúde, 3,9% do montante total, ou seja, pífios investimentos. Esta situação se agrava com a promulgação da Emenda Constitucional (EC) 95 do final de 2016, a qual congela os gastos sociais por 20 anos, o que impactará significativamente no investimento social, como podemos conferir em pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

E, assim, para “conter” esta questão social, estas injustiças não sanadas com trabalho digno e protegido, com distribuição de riquezas produzidas socialmente pelos trabalhadores e tampouco com proteção social, o Estado lança mão de velhos/atualizados métodos de criminalização, e encarceramento daqueles cujo o Estado e as elites são dividendas.

Daí a intervenção militar no Rio de Janeiro! Panaceia, a triste escolha brasileira!

*Patrícia Soraya Mustafa é professora do curso de Serviço Social da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp de Franca.

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