Contas Públicas

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CRISE DAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS PAULISTAS, EM CONTRAPOSIÇAO AOS PRIVILÉGIOS CONCEDIDOS AO TCE-SP

Foto ilustrativa retirada da Internet

Por *João Batista Tavares

A autonomia de gestão financeira e orçamentária das universidades públicas paulistas, concedida pelo Estado, reserva à USP, UNESP e UNICAMP, 9,57% da arrecadação do ICMS – quota parte do Estado para despesas com pessoal, custeio, investimento e aposentadoria. O processo recessivo que assola o país desde 2014, no entanto, causou queda significava na arrecadação do ICMS e, assim, provocou a atual crise das universidades públicas paulistas.

Hoje, as universidades públicas vêm enfrentando políticas desfavoráveis do Governo do Estado que lhes impõem dois tetos limitadores de seu crescimento: o primeiro, o teto remuneratório vinculado ao subsídio do Governador do Estado, cujo valor, em janeiro de 2013, era de R$ 20.662,00 e que foi reajustado em apenas 4,69% em janeiro de 2015 (permanecendo congelado para 2017 no valor de R$ 21.631,05).

Com o congelamento, servidores do TCE-SP, Ministério Público Estadual e do Poder Judiciário têm teto no valor de R$ 30.471,11 – 40,867% maior que o de servidores das universidades e demais carreiras.

O segundo teto existe pela base do repasse de recursos. Enquanto universidades têm como base um percentual do ICMS, órgãos como o TCE-SP têm tetos fixados com base na Receita Corrente Líquida do Estado (RCL) (1,25% no caso do TCE-SP).

Eis um comparativo da evolução dos valores da RCL e do ICMS.

Comparativo trienal dos valores alocados ao TCE-SP com base na RCL e às Universidades Estaduais Paulistas – UEPs, com base no ICMS – Quota parte Estado (em milhares)

ANO

RCL

Quota

TCE-SP

ICMS

Quota UEPs

USP

UNESP

UNICAMP

2014

135.630.165

1.695.377

87.857.402

4.410.442

2.055.863

1.924.077

2015

140.398.953

1.754.987

90.752.151

4.555.758

2.123.600

1.987.472

2016

140.443.287

1.755.541

90.839.137

4.560.125

2.125.636

1.989.377

Caso os recursos das Universidades Públicas também fossem baseados na RCL, os repasses no triênio seriam como demonstrados no exercício abaixo:

 

Quotas das Universidades Estaduais Paulistas como base na Receita Corrente Líquida (em milhares)

ANO

RCL

USP

UNESP

UNICAMP

2014

135.630.165

6.808.634

3.173.745

2.970.300

2015

140.398.953

7.048.027

3.285.335

3.074.737

2016

140.443.287

7.050.253

3.286.372

3.075.707

 

Há ainda diferença significativa nos reajustes salariais. No ano de 2014 foi concedido aos servidores do TCE-SP, a título de revisão geral anual, 5,68%. No ano seguinte, 7,70% e, em 2016, mais 10,36%, acumulando no triênio 25,61%, percentual que nenhuma outra categoria de servidores públicos recebeu.

Além dessa dádiva num cenário de grave crise econômica, em consulta às folhas de pagamento do TCE-SP nos meses de setembro e outubro de 2015, constata-se somente a diretores e assessores foi concedido um aumento médio de 32%, sem que se conheça a Lei Específica exigida pela Constituição Federal.

Também é notável a rapidez na tramitação dos projetos de reposição salarial do TCE-SP. Em 2016, o Projeto de Lei Complementar nº 6/2016 recebeu tramitação de urgência e em seis meses transformou-se na Lei Complementar nº 1.293 (23/09/16).

Durante a tramitação, o PLC recebeu emenda do Deputado Estadual José Zico Prado, que foi rejeitada:

[…] tal revisão, na forma proposta se aplicaria somente à remuneração dos servidores do Tribunal de Contas do Estado;

Não se pode aceitar que os demais servidores públicos estaduais não sejam alcançados por tão justa norma.

A presente emenda visa portanto garantir que todos os servidores do Estado possam ser alcançados pela revisão.

Eis a razão da presente emenda, que atende ao interesse do Estado no sentido de não discriminar este ou aquele grupo de servidores públicos, qualquer que seja sua unidade de lotação e a função exercida.

Registre-se que esta emenda se dá também sob o fundamento de que até o momento não há projeto de lei sobre revisão os vencimentos dos servidores estaduais, EM FLAGRANTE DESCUMPRIMENTO DO TEXTO CONSTITUCIONAL […] (PLC nº 6/2016 – Alesp).

Os regulares reajustes aos servidores do TCE-SP evidenciam tratamento diferenciado em relação aos demais servidores públicos estaduais, que estão submetidos ao mesmo regime jurídico.

Por outro lado, o TCE-SP, infelizmente, é o único no Brasil que julga contas de entidades privadas que não integram a Administração do Estado e dos Munícipios. Tratar fundações de direito privado como órgãos da Administração Pública é um desrespeito à Constituição, e inibe o desenvolvimento de projetos de ciência e tecnologia gerenciados pelas fundações em parceria com empresas.

O TCU, por meio da Decisão nº 230/95, dispensa as fundações de apoio do controle direto desde o exercício de 1994, por considerar a atividade como “superposição de controles”, que pode se revelar contraproducente e antieconômica.

O TCE-SP mantém 63 fundações de direito privado no rol de jurisdicionados, o que representa 6,68% do total de órgãos e entidades fiscalizadas. Esse percentual corresponde a R$ 35,6 milhõesdo total gasto com os servidores ativos por ano. Como a decisão nº 230/95 foi prolatada há 21 anos e 10 meses, o dano potencial ao erário é da ordem de R$ 748,30 milhões aplicados em atividade de superposição de controle, contraproducente e antieconômica.

É certo que a Constituição Federal de 1988 assegurou muitas competências às Cortes de Contas, contudo, nenhuma delas lhe confere o direito de julgar contas de entidades privadas, de gerenciar as universidades públicas, ou hospitais e unidades de saúde (em substituição à vigilância sanitária), como se tem assistido ultimamente.

O cenário estadual parece indicar a existência de uma terceirização tácita da supervisão dessas entidades para as mãos da Corte de Contas, configurando abuso de poder e desrespeito à autonomia universitária inserida no art. 207 da Constituição Federal; o que, ainda, condena esse patrimônio público à deterioração como aconteceu com as Escolas Públicas de primeiro e segundo graus.

Os aspectos pontuados neste texto, se não forem alvo de reflexão profunda, com certeza levarão ao esvaziamento das universidades públicas, deteriorando todo o patrimônio intelectual construído ao longo dos anos. Com isso, a função dessas instituições no ensino, pesquisa e extensão universitária serão profundamente prejudicadas, e as universidades públicas deixarão de produzir conhecimento de ponta para passar a ser mera instituição de reprodução de conhecimento.

*João Batista Tavares é advogado.

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