Artigo

Governos, Indivíduos e Desenvolvimento Sustentado

*Carlos A. Cinquetti
Pesquisas mostram dados alarmantes sobre nossos mares e o grande vilão é o crescimento desordenado das cidades. Cidades brasileiras figuram em destaque, o que não surpreende. Sobre elas se ergue um país não muito ecológico, cuja democracia quanto mais avançou mais para trás deixou o país no PIB mundial.
Uma realidade triste: quanto mais democracia, mais atrasados ficamos. Certamente, um elemento por trás disto é um modus pensanti de nossa elite intelectual, que cai no gosto de nossa elite política, a qual subtrai responsabilidades dos indivíduos, passando-as aos governos. Resultado: um país com altos tributos rendendo baixo desenvolvimento humano.
Tomemos o problema da saúde. O indivíduo come mal, bebe muito álcool, gasta enorme parte do seu tempo no sofá da casa em frente à TV – tantas atrações agora — fica obeso e aí tem todas as sequelas previstas. Acrescente, ainda, aquela mãe que engravida aos 16 anos, ganhando pouco mais do que 1 SM, e acaba fazendo 3 filhos ou mais. Qual a solução para conta médica e hospitalar, que fica próxima aos 50% da renda do indivíduo? Um programa de saúde governamental mais amplo, dirão nossos intelectuais.
Outro é o problema das migrações. Em áreas subdesenvolvidas, temos uma população que vive qual servos, produzindo para subsistência e sem uma programação de investir no futuro: na educação dos filhos, ou em sua unidade produtiva, ou na reputação de seu trabalho. Outrora, quando compelidos ou atraídos a migrar, iam para cidades mais próximas, ou para regiões agrícolas em expansão. Mais recentemente, uma parte crescente foi para grandes centros, a despeito da estagnação. Como? O sistema de vida urbano agora inclui a possibilidade de um prédio invadido, usando gatos para eletricidade e pagando a conta dos filhos com bolsa disto e bolsa daquilo. Viram presas fáceis de organizações criminosas, algumas das quais com fachada altaneira, tipo “MTST, MPLO,…”. Aí acontece uma tragédia; a construção desaba. Outro dado: as cidades do Norte e Nordeste, tão pacíficas nos 1980s, agora estão entre as mais perigosas do planeta. Quem é o culpado? O governo que não proveu os recursos para estes servos do Senhor, dizem nossos intelectuais — estes mesmos que fizeram sua biografia por lutar contra a ditadura.
Nossos advogados, que vão à caça do trabalho escravo, fecham os olhos para as desgraças auto-impingidas por estes humildes seres. Cruel, atribuir ao cidadão comum sua própria desventura? Sabe-se que Tchecov foi crucificado por seu Os Mujiques, mas a nova Rússia indica que ele estava mais certo do que o benevolente Tolstoi. Aliás, ao contrário deste último, Tchecov viveu no meio dos pobres, atendendo-os num rincão da Sibéria. Um contra-exemplo local: os empenhadíssimos imigrantes Haitianos.
Tomemos o exemplo da América do Norte. Qualquer um familiar com os EUA logo nota as seguintes diferenças no Canadá: os produtos são um pouco mais caros, mas o cidadão mediano é mais letrado, há menos pobres na rua, menos agrupamentos de guetos étnicos, e menos violência verbal nos debates políticos. Um governo benevolente? Não exatamente.
Os impostos são mais elevados do que nos EUA, mas retornam em ganhos para os contribuintes. O governo federal no Canadá, por exemplo, tem menor peso nos gastos governamentais do que nos EUA. Com um governo local e regional mais forte, mais próximo do contribuinte, mais eficiente e ajustada é a oferta de bens públicos (boa educação para todos, boas estradas e ruas, proteção legal). Mais assistencialismo? Há um sistema público de saúde mais amplo, mas que estruturado nos governos Estaduais, e para acesso aos serviços a exigência de contribuição não é diferente dos EUA. Finalmente, o Canadá tem um esquema institucional não adverso aos investidores. É aberto ao comércio internacional, tem uma legislação trabalhista balanceada e simples, e a mais simples do planeta para o processo de abrir e fechar empresas.
Eis que o cimento social de sociedades mais avançadas são incentivos à ações individuais responsáveis, criativas e participativas. Eis a prova empírica de que o mindset brasileiro, uma mistura de marxismo com coronelismo, leva ao que temos: uma sociedade de indivíduos que não investem no futuro, mas querem viver como se o tivessem feito. Tudo porque, quando a conta não fecha, o Governo seria a solução. Só não explicam com gerar crescentes tributos e que os recursos seriam alocados por este desalentador Estado brasileiro.
Esse o grande furo deste mindset tupiniquim: ignorar que sociedades mais afluentes se assentam em regras para esforço e criatividade individual, protegendo-as da bandidagem e de autoridades extorsivas. É desejável ter instituições que garantam transferência de parte da renda dos bem posicionados para os que não estão em condições. Mas este arranjo deve estar integrado a um desenho político-institucional que ponha à frente, na liderança, os que criam e inovam. O que vale tanto para os agentes que fazem o desenho político da sociedade, quanto para os agentes da sociedade civil econômica.
Assim, baseado na racionalidade e na boa índole, teremos um resultado coletivo que contemple não apenas o futuro de nossos filhos, mas também o de nossos netos e o do planeta. A dificuldade é que esta mudança pressuporia mudar o mindset de nossos intelectuais. Como explicá-lo? Algo de errado com as regras de mobilidade e premiação dos talentos em nosso sistema de pesquisa?
Num país sobrecarregado de impostos que pouco rendem ao desenvolvimento humano (dados ONU), o desafio é redesenhar a ação governamental, de modo a priorizar a ascenção econômica via bens públicos (segurança, educação e estradas), o invés das rendas privadas. Neste nosso samaritanismo democrático os pobres não ascendem e viram servos de políticos que elegem na próxima eleição. Por não retribuir o contribuinte, nem promover o desenvolvimento, é um esquema extorsivo voltado para re-eleição dos políticos no poder.
*Carlos A. Cinquetti. PhD in economics (New School, NYC) é livre docente do Depto. de economia da UNESP.

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