Artigo

Brincar enquanto se pode

*Adilson Roberto Gonçalves
            Muitas linhas – negras, escuras e sombrias – estão sendo escritas sobre os acontecimentos em curso, políticos na essência, jurídicos na imprudência. Somente com a devida distância do tempo é que se entenderá o que acontece, mas aí será tarde demais para os que vivem o momento.

Enquanto a censura não se restabelece de vez no país – o sensor do censor está em modo de espera – e os tanques e generais estão apenas começando a abrir a boca e sair dos quartéis, cabem algumas brincadeiras com o vernáculo para retratar angústias. Se serão trocadas por receitas de bolo ou versos de Os Lusíadas na publicação final, saberemos em breve.

Há a Justiça no Brasil que “demora” e a “do moro”, ambas tendenciosas, imperfeitas, ou seja, injustas (era o morro que erre / erra o moro sem erre). Haver provas num processo não significa que o delito foi provado, ainda mais quando são necessários subterfúgios como teoria do domínio do fato ou inversão da presunção de inocência para a condenação. Sem contar quando os operadores do direito envolvidos fazem greve de fome, apreciam a boa imagem na mídia, são candidatos para conhecer o sistema que tanto criticam, não acham indecoroso privilegiar um partido em detrimento de outro, posam com réus e – o mais injusto – condenam o pobre à miséria.

Nem as juras de amor se sustentam em autos de paixão.

Fumus boni iuris, a relação entre direito e se há fogo, há fumaça, é porque magistrados têm a intenção de incendiar a nação ou não possuem noção nenhuma dos processos físico-químicos que resultam em fumaça sem a necessidade de haver incineração associada. Um deles é a formação de névoas a partir de gotículas de água e outro é a neutralização do ácido clorídrico com amônia, que resulta nos fumos de cloreto de amônio. Mas isso é muito lógico para os doutos senhores das leis compreenderem. A única coisa numérica que entendem perfeitamente é o resultado dos obesos proventos salariais auferidos.

Há, sim o que temer, pois, se com todas as denúncias pessoais ao que foi colocado como mandatário da nação, ele se mantém em seus mandos e desmandos, permanecendo lá impávido, isso porque a orquestração foi um sucesso. Em São Paulo, estado e capital, o povo está livre dos titulares, tanto porque já era prevista a intenção da candidatura de um, bem como a da traição de outro. Os vices mandam agora e o povo anestesiado solta fogos de artifícios, uma vez que artificial é a pacificação social mostrada na televisão.

O tempo é de outono, com folhas até agora verdejantes amarelando e caindo. Antes de ser lúdica poesia, é prenúncio de um longo inverno que se aproxima.

 

*Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador no IPBEN – Unesp de Rio Claro, membro da Academia Campineira de Letras e Artes e da Academia de Letras de Lorena

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